A INCREDULIDADE DE SÃO TOMÉ

"A incredulidade de Tomé foi mais proveitosa para a nossa Fé do que a Fé dos discípulos que acreditaram logo" (São Gregório Magno). No seguimento destas palavras, a respeito da festa de São Tomé (21 de Dezembro):

Meditação VIII.
Da ruína de Santo Tomé, e aparição, que o Senhor lhe fez, presentes os mais discípulos no oitavo dia de Sua ressurreição.

Primeiro Ponto

O encontro de Jesus com os Apóstolos
Neste ponto considerarei as causas da ruína deste discípulo. A primeira for, não estar com os mais discípulos, quando o Senhor lhes apareceu: Non erat cum eis, quando venit Iesus (Ioann 20. 24); não estava com os mais quando lhes apareceu o senhor, e porque não estava com os mais nesta ocasião, perdeu a visita do Senhor, com os bens que nela comunicou aos mais, e caiu em uma ruína tão fatal como a de sua incredulidade: tanto se perde muitas vezes, sem se perder uma ocasião, para a qual tem Deus determinado alguma sua visita, e santas inspirações: outras muitas vezes, e pouco antes havia estado Tomé com os mais [discípulos], e nesta em que faltou veio o Senhor visita-los, porque para esta tinha determinada esta sua aparição. Quantas vezes, por faltarmos a uma prática, a uma conferência, a uma lição espiritual, a uma hora de Oração, ou a outro exercício santo perderemos uma visita de Deus nosso Senhor, um santo documento, ou uma santa inspiração, que o Senhor nos teria determinado para qualquer destas ocasiões, ou exercícios? Tirarem os daqui, regatear muito qualquer falta nos lugares pios, e santos exercícios, que neles se fazem, a que costumo ir por obrigação, ou devoção, porque por alguma destas faltas poderei perder alguma visita, ou inspiração, que Deus Senhor nosso terá determinado dar-me em qualquer destes exercícios, de que penda o meu aproveitamento espiritual, ou da falta dela a minha ruína, e ainda a salvação, ou condenação da minha alma; como se viu em Santo Tomé, que perde a visita do Senhor,e caiu na incredulidade, por não estar com os mais, na ocasião, em que o Senhor lhes apareceu: Non erta cum eis, quando venit Iesus.

A segunda causa da ruína desta discípulo foi, o amor de seu próprio juízo, e tenacidade em o seguir; porque dizendo-lhe os mais discípulos, que viram o Senhor ressuscitado: Vidimus Dominum (Ioann 20. 25), ele não só os não creu, mas se apartou do seu juízo, seguindo tenazmente o próprio; disseram os mais que viram, e porque viram creram, e Tomé julgou, e disse que não havia crer ainda que visse, só por ver, mas que além de ver, havia de palpar, e meter os dedos nas chagas, e a mão no lado, e que de putro modo não havia crer: Nisi videro in manibus ejus figuram clavorum, et mittam digitum meum in locum, clavorum, et mittam manum meam in latus ejus, non credam. No que se vê a grande tenacidade no seu juízo, pois quietando-se o juízo dos mais só com ver, para crer, o seu senão quietava, nem com o testemunho, e vista dos mais, nem ainda com a sua, mas só com ver, meter os dedos nas chagas, e a mão no lado; e esta tenacidade ao seu próprio juízo, o arruinou, como arruiná a muitos. A quantos arruinou, e arruína, seguir com tenacidade seu próprio juízo apartando-se do dos mais? E nasce isto do amor que tem ao seu juízo próprio; e como o mesmo amor que lhe tem, o cega, tem o seu por melhor que o dos outros; e um juízo cego do seu amor que há de fazer senão arruinar? A vontade de si é potência cega, e por isso lhe deu Deus o juízo por guia; e se o juízo também estiver cego, guiará um cego outro cego; e se hum cego guiar outro, como não hão-de dar ambos em quedas, e ruínas? Nunquid potest cacus cacum ducere? Nonne ambo in foveram cadunt? (Luc 6. 39) O juízo há-de cair em erros com tenacidade, e a vontade em pecados com obstinação. Neste miserável estado pôs a Tomé a tenacidade, e cegueira do seu juízo, e nele o teve por oito dias, e tivera mais, se a Misericórdia do Senhor lhe não acudira. Temamos pois muito a cegueira do nosso próprio juízo, não o sigamos com tenacidade, não continuemos e o seguir, só porque começamos a segui-lo, rendamo-lo ao dos outros, não sejamos singulares, especialmente nas matérias espirituais, e da salvação, pois vemos o miserável estado, e evidente perigo, em que pôs a Tomé a tenacidade do seu juízo.

A terceira causa da ruína de Tomé, ou mais propriamente da dilação do seu remédio, e dificuldade da sua conversão, foi querer-la ao seu modo, e traça-la à sua vontade, e eleição, e em resolução, querer ele eleger os meios, e traçar os modos da sua conversão. O Senhor é que havia de vir, ele não disse que o iria buscar, nem foi: que não só havia de ver, como os mais, mas ver, e palpar; e não só palpar exteriormente; mas meter os dedos nas chagas, e a mão no lado. E querer ao seu modo, eleição, e vontade a sua conversão, lhe dilatou tanto tempo, e ainda não fora, se o excessivo amor do Senhor o não buscara. Quantas conversões senão fazem porque quer a prudência, ou para melhor dizer a cegueira humana apontar o tempo, e eleger os modos, e meios delas? Dizem, que agora senão podem converter, e dar a Deus, que em outro tempo o farão, como se o tiveram certos; que a sua conversão há de ser deste, ou aquele modo, por este, ou aquele meio, como se estivera na sua mão esta escolha; e como isto, ou a dilação, ou a não fazem nunca; estes querem sarar da sua doença como Naamão da Síria da sua lepra, que mandando-lhe o Profeta Elizeo se fosse lavar nas águas do Jordão, ele queria que o Profeta viesse a ele, ena sua presença rogasse a Deus, e lhe tocasse com a sua mão o lugar da lepra, mas o profeta o não quis sarar como ele queria, mas como lhe havia mandado. Homem leproso como os teus pecados não queiras sarar a tua vontade, mas à de Deus, e de seus ministros. Vê o perigo em que esteve Naamão, de não sarar da sua lepra por querer a saúde à sua vontade; não queiras escolher à tua vontade o tempo, e meios da tua conversão, vê a dilatação, e perigos, que teve a de Tomé por esta causa; melhor o farás seguindo a Paulo, que não dilatou tempo, nem apontou os meios da sua conversão, mas tudo remeteu à disposição, e vontade de Deus: Domine, quid me vis facere? (Actor 9. 6) Senhor que quereis, que eu faça? E seguindo o que o Senhor lhe ordenou, logo se converteu. O seguro é o que fez Paulo, e não o que fez Tomé; não te fies do seu sucesso, que não está Deus obrigado fazer-te a ti, o que fez a ele, nem tu terás os merecimentos antecedentes que ele tinha, nem Deus te quererá para o que o queria a ele; se Deus te chama acode-lhe logo, e deixa a Deus o mais, e escaparás dos perigos em que esteve Tomé por dilatar o tempo, e  escolher os meios da sua conversão. 

Segundo Ponto

A Incredulidade de Tomé de Caravaggio
Durando Santo Tomé na sua incredulidade por oito dias, no oitavo lhe apareceu o Senhor presentes os mais discípulos, e teve esta aparição tantas finezas, quantas circunstâncias. Primeiramente apareceu agora outra vez aos mais por amor de Tomé, e do mesmo modo, que lhes havia aparecido dantes por amor de todos, e entrando às portas fechadas, pondo-se no meio deles, e dando-lhes a paz: Venit Iesus januis clausis, et stetit in medio, et dixit, Pax vobis (Ioann 20. 26), fazendo a respeito de Tomé, tudo o que havia feito pelos mais. E não é isto novidade no amor deste Senhor, que estima tanto uma alma, que faz e fará por uma o que por muitas, ou todas. O que fez, e padeceu no discurso de sua vida, em toda sua Paixão por todas, fizera, e padeceria por uma. Vê homem a estimação que deves fazer da tua alma; e o que deves fazer por ela. E se tens à tua conta as de outros, o que deves fazer pela tua, e por qualquer das de teus próximos,à imitação deste Senhor, que fez pela de Tomé o que fez pelas dos mais discípulos.

E não só fez pela de Tomé, o que fez pelas dos mais, mas ainda mais do que fez por eles; aos mais só lhes mostrou as chagas para que as vissem, e palpassem, como diz S. Lucas: Palpate, et videte, e a Tomé para que as visse, e palpasse, que metesse os dedos no lugar dos cravos, e a mão no lado; porque se bem o amor era igual para todos, em Tomé era maior a necessidade. Dissera ele, que se não visse as chagas, e metesse os dedos no lugar dos cravos, e a mão no lado, não havia de crer, e tudo isto que queria, lhe concedeu, porque não houve coisa, que não concedesse, e não fizesse por reduzir esta alma. E que não fará, ou deixará de fazer o amor de Jesus por reduzir uma alma? Vê pecador o que Deus faz por reduzir, e ganhar uma alma; e o que fez pela de Tomé, fará pela tua. Rende-te a este amor: cessa já da tua obstinação.

Contendeu aqui fortemente o amor de jesus com a obstinação de Tomé; a obstinação de Tomé a resistir, o amor de Jesus a instar, Tomé a cometer partidos para reduzir-se, Jesus a vir em todos para reduzi-lo; Tomé ateimando que senão há-de reduzir sem ver as chagas, meter os dedos no lugar dos cravos, e a mão no lado, Jesus vindo em tudo só para quue se reduza. Mete Tomé os dedos, e vê minhas chagas: Infer digitum tuum huc, et vide manus meas (Ioann 20. 27); mas também palpar, e eu te concedo palpar, e ver; mete estes dedos nestas chagas, faz dos dedos cravos para renovar-me outra vez as feridas, que por pelo estado glorioso já as não posso sentir, ao menos por ti as quero renovar; quem por ti as renova quando está glorioso, também por ti as padecerá se fora possível: mete a mão neste lado: Affer manum tuam, et mitte in latus meum; faz da mão lança para me ferires o coração, como o Soldado correu a lança com a mão para me abrir o peito. Oh se sararas da tua cegueira, metendo a mão, como ele sarou da sua, correndo a lança! Mete a mão, entra com ela neste lado, e vê que não permitindo à Madalena um toque, a ti o toque, e a entrada; mete a mão neste lado , e vê que permitindo ao discípulo a este coração, e verás como está enfermo, porque tu estás morto; mete a mão, vê se a palmos podes medir no coração os excessos de meu amor; mete bem a mão, vê se pode achar fundo a minhas misericórdias; mete a mão neste cofre de minhas riquezas, aproveita-te da ocasião, que quem te convida a meter a mão no cofre, já te permite o roubo, aqui podes roubar não menos que o coração de Deus. O que roubo! Mete finalmente a mão neste incêndio, para por ela se te comunicarem os ardores ao coração.

Não pode já Tomé resistir a tantos assaltos do amor, caiu por terra, e abrasado nas lavaredas, que se lhe comunicaram do incêndio do coração de Jesus, começou a bradar: Dominus meus, et Deus meus (Ioann 20. 28); Meu senhor e meu Deus; bem parecem estas finezas do meu senhor, e do meu Deus! Quem senão o meu Senhor, e o meu Deus podia fazer tantas finezas por reduzir um pecador? Aqui me tendes já rendido a vossos pés meu Senhor, e meu Deus; cantem os Anjos vossa victória; publique-se no mundo todo o vosso triunfo na minha conversão, e convertam-se todos a vós com o meu exemplo; cantarei eternamente as vossas misericórdias: Misercordias Domini in aeternum catabe (Psalm 88. 1).Publicarei ao mundo vosso Santo nome, até dar a vida nesta empresa; para quetodos vos adorem, e confessem por seu Senhor, e seu Deus, como eu já vos adoro, e confesso: Dominus meus, et Deus meus. Alma minha, chega-te a este mesmo incêndio, em qualquer sacrário o tens, e dentro em teu peito, quando comungas, e será lástima, não te abrasares, tendo o fogo no seio; arde em amor de Deus, e submergida no abismo do teu nada, e na imensidade do seu ser, o confessa com Tomé por teu Senhor, e teu Deus: Dominus meus, et Deus meus.

Resumo desta meditação

Primeiro Ponto

A primeira causa da ruína de Tomé foi, não estar com os mais discípulos, quando o Senhor lhes apareceu, e comunicou tantos bens espirituais: tanto vai em perder, ou não perder uma ocasião, ou exercício espiritual, para o qual terá Deus determinado comunicar-nos, ou dar-nos alguma santa inspiração.

A segunda causa da ruína deste discípulo foi a tenacidade, em seguir o seu próprio juízo, apartando-se do dos mais, não crendo a Ressurreição do Senhor, nem com o testemunho dos mais, nem se contentando como eles só com ver, mas com ver, e palpar: tanto dano costuma fazer a tenacidade no próprio juízo.

A terceira causa da ruína, ou mais propriamente da dilação do seu remédio, e dificuldade da sua conversão, foi querer-la ao seu modo, e pelos meios, que ele escolhia, vendo, palpando, metendo os dedos no lugar dos cravos, e a mão no lado; e é muitas vezes a causa de se dilatarem, ou não fazem muitas as suas conversões.


Segundo Ponto

Depois de oito dias apareceu o Senhor a S. Tomé, presentes os mais discípulos, e com as mesmas circunstâncias, e demonstrações, com que já dantes lhes havia aparecido, fazendo por Tomé tudo, o que fizera pelos mais: tanta é a estimação, que Deus faz de uma alma.

E ainda fez mais pela de Tomé, que pelas dos mais discípulos, aos mais só concedeu verem, e palparem as chagas, e a Tomé ver, palpar, e meter o dedos, e mão no interior delas, porque se bem o amor era igual para todos, em Tomé era maior a necessidade: e não haverá coisa que Deus não faça por reduzir uma alma.

Contendeu fortemente o amor do senhor com a obstinação de Tomé, e vindo em tudo o que Tomé queria, meter os dedos no lugar dos cravos, e a mão no lado, o rendeu. 

Rendido já Tomé aos afabos do amor de Jesus, caiu a seus pés, e abrasado em amor, o confessor por seu Senhor, e seu Deus. 

Retirado de Meditações da Sacratíssima Paixão e Morte de Cristo Senhor Nosso, composto pelo Venerável P. Bartolomeu de Quental em 1679.

2 comentários:

  1. Salve Maria.

    Que forte exortação... Parecia eu, o São Tomé. Comecei a ler ontem à noite, mas me tocou tanto, que reli e imprimi.

    Obrigada, Fidelissimos, por trazer tamanha riqueza.

    Deus lhe pague.

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  2. Salve,

    Cara Cláudia

    Agradeço as suas palavras. É confortante saber que o trabalho do blog não é feito em vão, e que contribui para a glória de Nosso Senhor e conversão das almas.
    Agradeço também a sua especial assiduidade ao Fidelissimus.

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