LIBERAL E PEDREIRO - CARACTERIZAÇÃO EM 1824 (I)


A pensar no maior esclarecimento a respeito do pensamento típico do liberal e pedreiro livre do início do séc. XIX, oferecemos a transcrição da obra "Dialogo, Entre Um Realista, e Um Pedreiro Livre; no Qual Se Dão Algumas Provas da Nossa Santa Religião" (escrita por um Pároco no agora extinto Concelho de Aguiar de Sousa, na região do Porto), publicada em 1824, no Porto, dez anos antes da vitória liberal, início da era das catacumbas da monarquia portuguesa.

DIÁLOGO
entre
UM REALISTA,
E
UM PEDREIRO LIVRE
no qual
Se Dão Algumas Provas
da nossa

SANTA RELIGIÃO CRISTÃ
________________
Pelo Pároco do Concelho de Aguiar de Sousa,
D. J. N. F. e L

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PORTO
Ano 1824
_________________________________
Tip. à Praça de S. Teresa. Com Licença



DIÁLOGO

Realista - Quem vive agora, Sr. Tartamudo Maçónico Apedreirado? E que tristeza é hoje a sua, não lhe vai bem esta mudança?

Pedreiro - Ora viva quem V. m. muito quiser; chegou o tempo do seu S. Miguel, é justo que vá colhendo os frutos destas felicidades; e portanto, quem quer que viva?

R - Quem! ora essa é boa, pois não sabe que lhe desandou a roda; não sabe o que eu quero, e o que desejam todos os honrados Portugueses! Acaso estava mouco no dia 4 de Junho do ano passado de 1823? ou estava metido em algum Club Maçónico, ou loja subterrânea? Não ouviu o grito geral de todos os Portugueses (não contaminados) dizer: Viva a Santa Religião Católica Apostólica Romana! Viva o Sr. D. João VI Rei de Portugal, e toda a plenitude de seus Direitos Majestáticos; e Vivam os Portugueses honrados, que o desejavam ver no Trono com todo o seu Poder, e Autoridade Real!

P - Sim, parece-me ter ouvido falar nisso mas cuidei que era uma graça, ou um sono imaginário, sem que o soubessem os das Côrtes, e o Poder Executivo, e que a Polícia tão activa os faria calar, como pregoeiros repentinos. Pois eu posso acreditar, que durassem tão pouco tempo uma Constituição tão altamente proclamada, feita, e debatida pelos Representantes da Nação, Deputados em Côrtes, tão sábios, e iluminados como eram! Oh! Mundo enganador!

R - Pobre coitado! Como andas iludido e cego, abre esses olhos fascinados pelas trevas negras dessas lojas Maçónicas; porque acostumado às sombras não podes ver o clarão da verdade. Diz-me, onde jaz hoje essa chamada nova Constituição (se não é que foi destruição) onde [estão] os seus defensores, e apologistas? Onde [estão] os corajudos, que a defenderiam à custa do próprio sangue? Ora ainda não está desenganado da sua nulidade? Ah! loucas esperanças; vá virando a casaca, como têm feito muitos, que já está bem Russo, digo, fala de pelo e de cor natural; ande, vire de rumo.

P - Eu virára, virára; mas receio.... vejo que ainda me dão algumas esperanças os meus sócios e companheiros; dizem-me que em me conservar firme, mostro honra e carácter, e não há perigo de ser castigado, pois o nosso Bom Rei, não quer que haja sangue; não é vingativo; porém mudando eu, ou as circunstâncias, posso ainda vir a ser feliz, posso ser um Grão-Visir, Governador da Ilha dos Lagartos, um bom Gaiteiro, ou Cardador; e se virar a casaca, nunca me livro de ser tido por um Cristão arrenegado, com que ando bem pensativo, e duvidoso; assim, assim....

R - Pode-se ter compaixão de semelhantes entes alucinados, e sempre "mordidos de peçonha, e do bichinho do remorso; na verdade V. m. em outra ora, era bem boa pessoa, até passava por homem de bem, tanto nos seus sentimentos, como no proceder; foi um bom Letrado, e um sábio Juiz, o povo o honrava com a sua estima e opinião: porém depois que se meteu com aquele sujeito.... (bem me entende) com quem todas as tardes passeava, conversava, jogava, jantava, merendava, ceava, etc.; e não sei se também dormia, logo ouvi dizer o adágio: "O Frade acompanha com o Ladrão, ou o Frade Ladrão, ou o Ladrão Frade".

P - Sim, Sr., convenho nisso, que as más companhias concorrem para a má opinião, mas esse sujeito também passava por homem de probidade, tinha de mais um fundo de sabedoria, não vulgar, e eu que me julgava muito inferior a ele, tanto em luzes como em conhecimento, escutava-o como o meu Mentor; comunicou-me os seus projectos de nova Constituição; é verdade que à primeira vista me parecia uma fábula quando me dizia, que Portugal ia a tomar uma nova face, e mais brilhante na mudança de Leis e de Governo: mas quando ouvi os Regeneradores proclamar "Constituição" e todos respondiam "Ámen, Ámen"; e depois o mesmo nosso Monarca, e seus filhos a estimarem, tomei tanto calor por ele, e me fez estreitar os laços de amizade, com o tal percursor, que ainda me parece impossível, que não seja uma grande coisa, que tantos sábios aprovavam e defendiam.

(eis a continuação, na II parte)

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